ENCONTRO


Meu corpo tão fino e vazio, como minha existência. Última impressão. Saí do trabalho, como sempre, sem cor, esfumaçada, quase me fundindo com o pôr-do-sol, com aquele ar-de-fim. Fui a pé, minha casa era tão perto que mal virava a esquina e já estava lá. A pressão nos braços quase me fez cair. Tudo tão rápido e o frio, que começou no pescoço, foi descendo até atingir a espinha. Sabia, por intuição, que estava em alguma situação difícil. Quando consegui me conscientizar, percebi que tinha uma arma apontada para minha cabeça e todas as pessoas por perto me olhavam com terror, comecei a tremer. Com cuidado me virei para o agressor e, para minha surpresa, o achei bem atraente. Foi mais ou menos assim; amor à primeira vista. A partir daquele momento, faria qualquer coisa que estivesse ao meu alcance para proteger, defender, orientar este homem. Sabia que no fundo, no fundo, só queria ser amado, compreendido. E eu era a pessoa, a única, ali, naquele momento, que o compreendia. Gotas de suor brotavam de sua testa e escorriam, pingando, ora em meus cabelos, ora em meu rosto, como se chorasse, como se pedisse para se unir a mim em seu suor. Seu peito começou a molhar as minhas costas e me aconcheguei, sentindo seu coração que chamava, ritmado. Sabia que ele me amava.
A polícia chegando, as pessoas se aglomerando, tudo se passando quadro a quadro, lentamente, carinhosamente, como uma preguiçosa tarde de verão. A cada negociação com a polícia, a tensão aumentava e eu falava para ele se acalmar. Sairíamos dali juntos. Começaríamos uma nova vida, tudo mudaria a partir daquele momento, para mim e para ele. O quarto que eu ocupava na pensão era muito desconfortável mesmo, com certeza moraríamos em sua casa, em qualquer lugar que fosse, seria bom. Já estava me vendo, saindo do escritório, pegando um ônibus e indo para casa, meu lar. Preparar o jantar, e colocar as crianças na cama... Assistir televisão aninhada em seus braços, até dormir. Era só conseguir sair dali e explicar que eles estavam completamente enganados, tudo se esclareceria.
Já estava começando a me cansar de ficar na mesma posição. Não que estivesse achando ruim a proximidade, mas é que estava ansiosa para conhecer melhor meu novo e definitivo amor, saber seu nome, signo, profissão, sonhos e desilusões.... E ele, como que concordando com meus planos, me abraçava cada vez mais forte. Sua mão apertou meu ombro até doer e seu corpo se descolou do meu de forma brusca, tombando depois de um enorme estrondo, levando-me junto. Uma parte do meu corpo, um pouco acima da cintura, queimou horrivelmente, pela minha blusa se espalhava um líquido quente e pegajoso, que incrédula, identifiquei como sangue. Estava começando a escurecer. Nem perguntei seu nome. Foi por amor, foi por amor...

Comentários

  1. a voz feminina em off ao longo de imagens que revelam gradualmente a cena, a câmera registra o que olha essa mulher,duplamente capturada, duplamente refém de seu par amoroso. O texto dispensa o curta que imagino,porque o texto já contém o curta que imagino...

    ResponderExcluir
  2. Cabeça de mulher é assim. Acredita no amor até nas horas mais imprevisíveis.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas