Mas que nada, conto.







Vago, vazio. Está frio e já não percebo, adormecida diante do horizonte. Tudo verde à minha volta e meus passos apagando a paisagem. Rastro cinza. Memória em preto e branco. Só há frente, o ruído dos motores passando. A borracha sólida contrafazendo volteios no asfalto, como um balé desajeitado. A outra, que a cada dia vai ficando para trás. Uma solitária dissolvida, dormente, sem ar. Paro. Olho ao redor e comunico-me com o sem espaço. Vou perdendo a minha sombra, e ganhando, a cada prédio. Olho as vitrines, de repente tudo se torna igual, um produto se misturando a outro. Uma loja se fundindo na outra, antenas, roupas, panelas, e tudo perde o sentido. Uma gota grossa de suor escorrega, humor aquoso, pegajoso, displicente, que brota de minha pele oleosa. Paro percebendo que nada se altera com o meu cansaço, as horas continuam a correr, o sinal de trânsito abre, fecha, abre, fecha. Quem quiser que avance ou pode ficar parado. Avanço, mais por teimosia que vontade. Ali, onde estou, não é território de ninguém. O lixo vai se acumulando, fica no caminho uma propaganda infeliz, várias marcas sujando a calçada, jogadas, indiferentes. Talvez alguém venha varrer, talvez não. Ficarão esperando a ação do tempo e se deslocarão dali por meio de algum vento ou chuva, seguirão seu caminho até voltarem ao pó um dia, talvez; e talvez se transformem em invólucro de algum produto novamente. Talvez. Estupidez, falácias que agitam em meu cérebro. Mesquinhez de existência, andar, andar e continuar longe do destino, esticar as mãos e roçar sua sombra. Sonhar em existir. Existir neste espaço entre um extremo e o outro da cidade. O mundo sou eu, então. O mais existe para girar em torno de minha percepção. Se eu não existir, nada existe. Pelo menos para mim. 


Comentários

  1. Te sigo no facebook e não sabia que vc tinha blog,adorei os seus textos,incentivadores,vou comentar quando possivel!
    Visite o meu tbm www.acaradapoesia.blogspot.com

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  2. Joana flutua e toca o impossível. Encanta e faz sonhar. Traz nova a sensação do já sentido.
    Guia-nos através de um novo horizonte. Desperta a ilusão do passo da dança dançada e esquecida.
    (Andrea Lizarb)

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  3. Que viagem, Joana!!!
    Daqui a pouco teremos outro livro lançado!

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  4. Já estou trabalhando nele, Gulla! Minha meta é lançar na bienal do Rio! beijoss

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