Despertar, o conto.



Barulho infernal, não me sentia capaz de um ato inconsciente, quem dirá pensar, e esse som insistente que não para. Acordei meio tonto e só depois de alguns segundos percebi que era o despertador. Automaticamente levei minha mão ao local e... Cadê?! Em vão, meus dedos dançaram por cima dos móveis, tateando o que estava ao seu alcance. 
"Ele nunca saiu daqui!"
Eu, o sonâmbulo das sete horas, procurando meu despertador, que estava do outro lado da cama. Que estranho! Sempre vou dormir na mesma hora e o despertador é colocado no mesmo lugar, como mudou de lugar? Será que caiu enquanto eu dormia? Melhor não pensar nisso e correr para meu banho... Essa brincadeira deve ter me tirado pelo menos uns cinco minutos. 
Por que essa dependência tão grande do despertador? Todos os dias tenho de acordar no mesmo horário e não consigo fazer isso sozinho!
Por que não me livro desta raivinha recheada de decepção, do barulho mecânico irritante, monótono e constante do despertador? Por que não jogo na parede esse tirano que me manda trabalhar todos os dias? Sorri com o pensamento... Eu não estou com vontade. Entenda despertador, não quero ir para aquele escritório, olhar aquelas pessoas que estão enraizando em suas mesas, pessoas que têm a mesma cor dos móveis públicos, que não gostam de mim, e ficar ali, fingindo que sou feliz e que sou até sortudo, um privilegiado mesmo. Quantas pessoas adorariam estar no meu lugar? Que peguem meu privilegiado emprego e me deixem viver com meus dias para mim, me tirem do meio de tantos papéis que me dão alergia e me deixem olhar o vento. Que escravo sou de meu tempo. Que escravo sou de meu final de mês. O que vou fazer com tudo isso no fim exato de meus dias? E se o fim exato de meus dias for amanhã?  - Hoje vi na televisão o noticiário da morte de um homem. O seu caixão subia solitário numa rampa de malas enquanto era embarcado com destino a seu país, ele somente e sua derradeira vestimenta de madeira envernizada, antes de ser carregado pelo colo de seu país - que trataria eu afinal, como resolver aquelas pendências que eu sempre deixo para amanhã, se o amanhã for hoje? Os pés que me carregam não me pertencem, eu, estranho em mim, outro eu dentro deste que ficou de fora. Vida de aluguel. Vivo para viver esse dia e não me atrasar, porque na volta para casa, poderei, então, entrar no meu mundo de sensações transmitidas no fulgor global, quantas emoções ofertadas por um buraco colorido. 
Onde está o meu buraco complemento? Não sou uma pessoa virtual, como posso me contentar com emoções emprestadas? Ou melhor, oferecidas para que eu me renda às mesmices medianas, pessoas que entram gritando dentro de minha casa, vendendo produtos que eu nem mesmo consumo e o pior, com a minha pacífica autorização. Novelas onde o começo é previsível, o final nem se precisa assistir, pois não mudará, não mudarão eles, não mudarei eu. Não sairá do lugar meu despertador.



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