Cadê Carolina




Ninguém se importou muito quando o silêncio se fez na hora em que a professora chamou o nome de Carolina na primeira aula daquela quinta feira.
Muito popular no pátio e no ginásio, principalmente na hora em que a seleção de basquete estava treinando, presença infalível! A marcação era firme e eficiente, não a do time, mas a do pivô, Pedro Henrique. Moreno, cabelos teimosos cobrindo os olhos, a loucura das meninas, para mais desespero ainda de Carolina, que não desgrudava de seus pés.
Uma nuvem de verão anunciando a tempestade não poderia ser mais ameaçadora do que a prova de matemática. Todos concentrados, alguns até desencavando do fundo da cachola, as orações que aprenderam nos primeiros anos de sua ainda inaugural existência. E foi mais ou menos depois de perder a segunda prova naquele semestre que a galera sentiu uma certa falta dos cabelos ultra vermelhos, repetidamente jogados para os lados a cada gargalhada estridente que atravessava os corredores da escola.
Algumas freiras achavam que tudo aquilo não era muito católico, faziam repetidos sinais de cruz credo com as pontinhas dos dedos. Era Carolina, entrando e saindo, atravessando os corredores, comendo escandalosamente um X-TUDO na cantina, sempre rodeada por seus extenuados colegas e por uma turma de vozes finas que nem sempre ecoavam verdades a seu respeito.
Era certo que ao olhar para o horizonte no intervalo entre as aulas, já não tinha mais tanta graça. O time de basquete não encontrava a inspiração exata para enterrar bolas consecutivas e alguns atletas sentiam uma fadiga inexplicável. Cogitaram até chamar o médico que sempre atendia a equipe para
receitar vitaminas ou se fosse preciso mesmo, uns estimulantes para que o time não fosse eliminado logo na primeira etapa do campeonato interescolar daquele ano.
Mas, e Carolina? O zum-zum- zum nos intervalos das aulas, subia em coro que ritmava as quatro sílabas divertidas. Pedro Henrique foi o primeiro que realmente sentiu sua falta. É verdade que não dava lá muita importância para aquela menina de pele morena e cabelo em chamas, insistindo em iluminar o ginásio com um único sorriso a cada vez que ele ameaçava tocar na bola.
Depois, a gang das vozes finas, após alguns dias de pálidas novidades, ansiava por alguma notícia que não fosse o previsível existir, que os alunos insistiam em perpetuar a cada ano que avançava.
Somente após depressivos quinze dias, a trajetória da terra pareceu achar seu eixo, e pode imperceptivelmente, girar sobre si mesma como nunca deveria deixar de ter sido. De repente, a bola de basquete reencontrou o caminho da cesta, as vozes finas afinaram ferinas com o ardor do reencontro, e as freiras tiveram de voltar às novenas, relaxadas que estavam, para que o hálito quente do pecado não envolvesse cabeças inocentes que ainda, achavam elas, ignoravam perigos de tortuosos caminhos.
Seria doença? Mal na família? Dor de saudade ou separação dos pais?
Nada sabiam, nem ninguém saberia dizer, somente ela, que, com uma ainda discreta sombra cobrindo seus negros e atentos olhos, seguia andando no invisível fio ameaçador da insegurança. E se acontecesse de novo? Como faria? O que de pior poderia ainda estar por vir, mundo cruel? Que todos os santos que habitam os céus e a terra a livrem de outra espinha!

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