Amores verdes

foto: wallpapers.net


Beto nunca foi verde, natureza era só para pegar umas ondas e nem se importava se a praia estava propícia ao banho ou se uma imensa língua negra lambia as pranchas recheando de óleo e restos do temporal que havia caído na noite anterior. O negócio era curtir o que viesse pela frente. Podia até dizer que era um distraído ambiental. Quase foi preso no último carnaval, por estar mijando na areia da praia. Além do surf, dedicava um amor incondicional a seu cão, Thor, um poderoso Rottweiler que desfilava com Beto nas noites quentes, escondido dos porteiros dos prédios para que não fosse preciso catar o cocô. Também costumavam dormir juntos, numa harmonia que beirava o incompreensível para alguns seres humanos.
Só que Beto é homem e bonito apesar de estar beirando o limite que existe entre uma barriga sarada e os primeiros acúmulos de gordura. Vive em uma cidade quente e o vento que sopra do mar, sugere algumas emoções até para os mais desavisados.
Foi um susto ver aquela garota pegando o saco de batatinha que acabava de deixar cair no chão! Só não sentiu vergonha porque nem em mil anos desconfiaria que aquele gesto pudesse transmitir algo “ecologicamente incorreto”, aliás, aquela palavra não fazia sentido, soava mais como, “quero você”. E era isso que Beto queria. Agora, nesse segundo! Mas, Patrícia, parecia não reparar nos seus ombros definidos, no short largo, macio e abaixo da linha da virilha. Tudo estava no lugar, por sorte, até os óculos de sol eram iguais aos que o vendedor antenado acabava de expor nas vitrines da galeria.
Só não se sentiu o último da face da terra, porque homens, invariavelmente, não costumam se sentir assim. Ao contrário, vão à luta.
- E aí?
- E aí... O quê?
- Legal esse negócio de pegar o lixo na rua... Fiz isso quando estava na escola... Achava radical...
- Lindo...
- Jura?
- É. Só que eu acho que suas professoras deviam ir morar contigo e continuar o trabalho, que pelo visto, você já esqueceu!
- É... Hum... mas, pra quê professora, você deve ser muito boa nisso! Eu tô vendo que você entende tudo do assunto!
Acontece que Patrícia é mulher. E linda! Adepta a tudo que seja alternativo, clean, soft e... fofo mesmo. Aquele rapaz, à sua frente, apesar de ser um desastre ambiental, tinha os cabelos iguais aos do seu ex, provável, futuro e fracassado caso amoroso. O melhor era não recordar, porque, por mais que pensasse, chamais conseguiria entender como seu professor conseguiu nunca reparar em sua presença, mesmo quando estava sendo positivamente, digamos, óbvia! E... até que aquele filhote de Pit Bull, podia ter uma chance. Como Patrícia não resistia a um trabalho voluntário, resolveu salvar aquela alma, com coxas e tudo, da alienação. O caminho para academia foi percorrido seis vezes naquele sábado.
Beto acreditava que em algum momento ela passaria desfilando sua longa saia e sandálias douradas, porque garotas leves não poderiam calçar outra coisa que não fossem sandálias de tirinhas.
Já estava escurecendo quando a viu de longe, vinha tal qual imaginou a semana inteira, seus passos flutuavam quase sem tocar na calçada. Estava realmente linda! Embora, incompreensivelmente carregasse um pesado tênis de caminhada. Um contraste!
Sorrisos cúmplices segurando os olhares maliciosos e um beijo que não suportou mais ficar guardado no hálito e na saliva.
Tudo poderia ser festa, não fosse o esforço sobre-humano que Beto fazia a cada vez que saíam. Nunca havia passado por muitos rituais e achava que, às vezes, dizer que a comida dos seus lugares mais legais era lixo, beirava o exagero! E pior, Patrícia desfilava uma longa fila de nutrientes e calorias a cada vez que paravam em alguma lojinha de produtos naturais. Uma tortura!
Embora, depois que davam vazão à profusão de testosterona e progesterona, ficava incrivelmente intrigado com a sua pele. Nenhuma menina tinha aquela maciez.
Quando percebeu já fazia doação para três diferentes ONGs, passava sábados inteiros de sol plantando mudas em mangues e nas sextas à noite, melhor dia para as baladas, distribuía sementes de árvores em extinção, vagando pelos botecos. Um chope? Nem pensar! Era o único que tinha carro na turma.
Com o tempo, os cabelos de Patrícia já não pareciam tão negros assim e a sua magreza parecia mais acentuada. De repente; as tardes perdidas nas almofadas envolvidas em incensos começaram a enjoar... O fim puxava as cordinhas fechando o último ato.
Beto agora vagava, quase sem referência. A solidão materializando as horas. O mar reencontrando-o como velhos e distantes amigos. A volta da noite e da malhação. A volta dos passeios noturnos com Thor.
A música explode em micro caixas de som, pulsando em seus ouvidos e uma mulher se aproxima, pernas e músculos por trás da calça colada, balançam decididas pela calçada da praia e uma lata de refri é jogada no chão, displicentemente. Beto se abaixa e a recolhe...
(Joana Cabral)

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