Encontros e desencontros: A busca de Pilar – Capítulo IV


— Procura de novo!

— Mas, senhor, eu procurei três vezes! E como já falei, todo objeto que chega aos Achados e Perdidos são discriminados no livro de registro! Portanto, sua mochila vermelha não está aqui!

Uma forte batida tremeu o balcão da recepção. Pilar caiu sem ar na cadeira e lá ficou.

— Que merda é essa? Pode parar com a arrogância agora mesmo, ou então vou chamar os seguranças da Supervia! Ouviu, ô estressadinho? Nina chega falando um tom acima do homem.

Ele prendeu o ar e parou o braço no exato momento em que ensaiava outro murro no balcão. O olhar irado preso ao de Pilar.

— Você é uma ladra! Gritou com o dedo indicador apontado para Pilar simulando um revólver.

— E você muito atrevida! Vou processar as duas!

Saiu batendo os punhos na lateral da porta.

— Liga não, miga! Esse deve ter esquecido a mochila por aí e quer achar um responsável!

— Nunca vi ninguém assim, com tanto ódio!

— Não é ódio amiga, é teatro! Pura encenação! E quer saber? Já estou cansada desses tipos!

Nina abraçou Pilar que estava quase desmaiando de tanto susto.

— Mudando de assunto, e o seu irmão? Está melhor?

— Quase nada, Nina. A cada vez que vou lá o médico fala uma coisa diferente. Ele não está pior, mas disse que a hemorragia não está regredindo como o esperado. Então ele ainda vai ficar em coma induzido por mais alguns dias… estou doida que ele acorde! Mas, por outro lado… o que vou fazer com ele quando tiver alta do hospital?

— Já falou com a sua tia?

— Já, mas ela descartou a possibilidade dele ir para lá! Não sei o que faço! Para onde levo o meu irmão?

— Mas, Pilar, ele deve morar em algum lugar! Você não me disse que ele tinha trabalho? Na rua é que ele não dormia!

— Pois, é! Só vou obter essas respostas quando ele acordar… até lá…

— Pilar, você já pensou na possiblidade dele não ser o seu irmão?

— Não! Tem algo dentro de mim que sabe! Outro dia peguei a sua mão e estava contando a ele sobre nosso pai, a doença, a morte e também falei sobre o perdão. Senti que ele apertou a minha nessa hora, sabe?

— Mas ele não está inconsciente?

— Ele pode até estar inconsciente, mas quando chego perto, sinto que a respiração fica mais tranquila. Ele sente a minha presença!

Pilar aproveitou o horário de almoço para ir ao trabalho do seu irmão. Era num restaurante bem pertinho da Cinelândia. Uma casa que só servia galeto com arroz, batatinha e farofa, mas que mesmo assim estava lotada sem ter uma só cadeira vaga! O forte cheiro da pele do frango tostada, fez com que o estômago de Pilar se revoltasse! Ela saiu do restaurante quase no mesmo momento em que entrou, e ficou sentada no outro lado da calçada esperando que o movimento acalmasse um pouco. Sabia que naquele horário seria difícil conversar com o gerente, ou até mesmo com os outros funcionários. A clientela do restaurante era tão diversificada que Pilar achou divertido ficar observando enquanto as pessoas saiam após o almoço. Podia localizar facilmente vendedores de loja, funcionárias de salão de beleza e uma ou outra pessoa vestindo terno e carregando pastas pretas e lustrosas. Vários estudantes trajando os respectivos uniformes do colégio saiam em grupos barulhentos, mexendo muito uns com os outros e com alguma garota que por acaso estivesse passando pelo local!

— Boa tarde, vai almoçar?

— Não, obrigada, preciso falar com o gerente, por favor.

— Se for para pedir trabalho, o quadro de funcionários está completo, mas pode deixar o curriculum comigo que eu passo para ele…

— Não é para pedir emprego! Preciso falar com o gerente, é possivel?

Pilar aumentou um pouco a voz, um tanto por cansaço e impaciência, outro tanto para fazer o garçom se calar! Fixou o olhar nele e posou a sua melhor cara de teimosa enquanto atravessava as paredes revestidas de forro imitação madeira, absolutamente engorduradas e não era raro avistar uma ou outra baratinha correndo entre as frestas, o chão não via um pano limpo há tempos o que talvez até pudesse aliviar o ranço de óleo velho e falta de ventilação. Um enigma difícil de decifrar era o sucesso de tal lugar e como as pessoas ainda pagavam para se alimentar ali! Sentou-se sem jeito e esperou pelo gerente.

— Precisa falar comigo?

Pilar se levantou para cumprimentar o gerente com o seu melhor sorriso:

— Boa tarde, meu irmão está internado no Miguel Couto e lá me informaram que era este o local onde ele trabalhava, eu…

— Seu irmão, você quer dizer o falso Pedro?

— Como assim? Não estou entendendo! O sorriso morrendo aos poucos…

— Há pouco mais de um mês, estava precisando de um garçom e um rapaz apareceu aqui para preencher a vaga. Ele fez um teste e foi aprovado, como havia perdido sua carteira de trabalho, fizemos um contrato de experiência por três meses. Para tanto ele apresentou sua identidade. Era um excelente funcionário, mas pouco tempo depois foi encontrado com três tiros logo após deixar o trabalho.

— Eu sei, ele está internado no Miguel Couto e está fora de perigo, mas preciso saber se ele tem uma família, esposa, filhos, uma casa ou quarto, para poder levá-lo quando sair do hospital!

— Sinto muito, mas não posso ajudá-la! Se você que é irmã dele não sabe… E o endereço que ele nos forneceu na contratação não existe, ou pelo menos os funcionários do hospital não conseguiram localizar… e ainda tem o Pedro, o outro…

— Como assim, o outro? O que o senhor quer dizer com isso?

— Pois é, um tempo depois do Pedro ser baleado, eu já tinha até colocado outro funcionário em seu lugar, apareceu um cara aqui e se apresentou como Pedro, e disse que o nosso funcionário havia roubado sua identidade e que estava empregado com o nome falso! Ele até mostrou uma segunda via de sua identidade que conferia com os dados que temos aqui. Imagina o quanto nós ficamos chocados, pois ele era realmente um bom funcionário, na semana em que trabalhou aqui nunca fez nada errado e era extremamente cordial com os clientes. Bem, passamos as informações para o hospital e nunca mais falamos no tipo até hoje…

— Mas, como o senhor contratou um pessoa com a identidade de outra? Não conferiu a foto?

O gerente deu um daqueles suspiros de quem já estava no limite da paciência, mas Pilar iria até o fim, queria saber mais, nada daquilo fazia sentido… parecia invenção!

— Claro que conferi, mas não sou investigador… não estava procurando uma contradição, ou um golpe por parte de um rapaz que estava se candidatando ao cargo de garçom! E tinha o detalhe dos olhos…

— O que é que tem os olhos?

— Os olhos azuis… os dois tinham os olhos azuis pra caramba… sim, eu conferi a foto e até você que é irmã confundiria os dois…

Pilar levantou-se um tanto assombrada! Olhos azuis! Meu Deus! Seu irmão tinha os olhos castanhos, como os dela…

— Tudo bem? Você quer uma água? Senta aqui, por favor, você está muito pálida!

— Estou bem, obrigada…

— Mas, você é irmã de qual dos dois? Do Pedro ou o outro? Como é o nome dele?

— Não sei…

Pilar perdeu a linha da lucidez, não conseguia articular um pensamento óbvio. Seu corpo estava em pânico, sentia a adrenalina subindo e descendo em fortes ondas, cegando o pensamento e empurrando os seus passos pelas ruas aleatoriamente.

— Quanto mais perto fico de meu irmão, mais surreal tudo se torna.

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