Encontros e desencontros: A busca de Pilar – Capítulo VII


— Ana? Não faço a menor ideia! Por que me pergunta?
— Por nada… é que o rapaz ali do lado me falou que você chamava por ela, a Ana!
— Deve ter sido um sonho… Ou um pesadelo!
Pilar recebeu um largo e luminoso sorriso, mas não se deixou envolver!
— Então, quer dizer que você é o irmão gêmeo do Pedro!
— Sim! Em pessoa!
— Gêmeos… que coincidência!
— Como?
— Deixa pra lá… Ah, meu nome é Pilar – estendeu a mão para cumprimentá-lo.
— Bruno.
Segurou a mão de Pilar e não soltou. Ela se deixou ficar por um momento naquela união inesperada, perfurada pelo olhar insistente e perturbador.
— Então, eu queria falar contigo sobre uma confusão que fiz em relação a meu…
— Eu ainda não te agradeci!
— Ok, depois que eu acabar de falar você agradece! É que eu te confundi com o meu…
— Acho que eu não teria sobrevivido se não fosse você!
— Pedro… quero dizer… Bruno, eu pensava que você era outra pessoa! Por isso vinha aqui sempre…
— Você pensou que eu fosse o Pedro, meu irmão?
— Não!
— Se não me confundiu como o meu irmão gêmeo, com quem então?
— Com o meu!
— Com o seu irmão? Mas… o que eu tenho a ver com o seu irmão?
— Nada e tudo ao mesmo tempo!
Pilar balançava entre a raiva e o pesar. Era ele, somente ele, o responsável por toda confusão! Mas sabia que seu estado ainda era delicado, ele parecia inseguro e perdido.
— Fiz alguma coisa ao seu irmão?
— Bruno, escuta. Um ato seu, fez com que tudo isso acontecesse!
— Sério? E o que eu fiz assim de tão grave?
— Você roubou a identidade do seu irmão.
— Ah… roubei. Mas ainda não entendo onde o seu irmão entra nessa história.
Pilar então falou do gêmeo, da fuga, da promessa que fez a seu pai e finalmente da busca pelo irmão, o que a levou até o rapaz que estava internado no hospital: Pedro! No caso, Bruno!
— E… seu irmão se parece tanto assim, comigo?
— Na verdade não. Pelo menos o Pedro que eu me lembro não se parece contigo! Mas quando cheguei ao hospital não teria como saber se era ou não. Já faz dez anos que não vejo meu irmão e tinha aquela máscara cobrindo quase todo o seu rosto. Então pensei, não, eu tive a certeza de que era ele!
— Eu sinto muito! De verdade!
— Bem, agora temos coisas para resolver, como a sua alta, para onde você vai… vou falar com o seu irmão.
— Não faça isso! Por favor!
— Tudo bem. Se não quer ir para a casa de seu irmão é só me dizer para onde quer ir que eu te levo assim que sair daqui… Se tiver alguém que eu possa chamar é só me dar o nome e telefone que entro em contato agora mesmo.
Pilar puxou o telefone do bolso enquanto terminava a frase.
— Eu não tenho para onde ir…
— Talvez a Ana…
— Não existe nenhuma Ana! É sério!
Pilar respirou fundo. Não sabia dizer se foi por alivio ou impaciência!
— Bruno, preciso te levar para algum lugar! Não é possível que não exista um endereço no Rio para você ir…
— Não existe, Pilar! Pelo menos não fora do Cantagalo!
— E como você vai fazer?
— Pilar, eu acabei de sair do coma. Vai levar algum tempo para que eu possa ter alta! Não vamos falar sobre isso agora, por favor!
— Mas eu sou a responsável por você!
— Assim que eu atravessar os portões do hospital, não será mais! Fique tranquila, tudo vai dar certo!
— Você não quer ir para a favela porque está com medo?
— Medo de quê?
— De que o seu irmão termine o que começou…
— Você está falando dos tiros?
— Sim!
— Não foi ele! Meu irmão não me mataria!
— Como você pode ter a certeza?
— Pilar, o Pedro quer que eu seja o seu braço direito. Sempre quis isso! Mas, talvez os tiros sejam por causa dele!
— Como assim?
— Com certeza alguém pensou que eu fosse o Pedro. Isso é mais comum do que você possa imaginar!
— Bruno eu nem quero saber como essas coisas “comuns” acontecem! Prefiro mil vezes minha amada ignorância sobre o assunto!
— É um direito seu. Preciso descansar. Estou com muita dor de cabeça. Pode chamar a enfermeira por favor! Bruno virou de costas ignorando a sua presença.
Pilar deixou o hospital irritada. Então ele tinha o direito de se aborrecer e encerrar o assunto na hora em que desejasse! Seu pensamento batia de um lado para o outro, confuso e veloz como as bolinhas de pinball. Os vários temas atropelando-se e uma insistente pontada de enxaqueca anunciando nas têmporas.
Bruno ainda ficaria pelo menos um mês internado, garantiu o médico que estava de plantão. Ela não sabia se avisava ou não o seu irmão. No fundo tinha medo de que algo acontecesse a Bruno enquanto estava convalescendo! Depois do paciente que fora executado não duvidava de mais nada! E ele não queria voltar para a favela. Talvez fosse melhor não fazer nada por conta própria, as lembranças do dia em que esteve com Pedro eram suficientes para não querer voltar naquele lugar!
Pilar mal conseguia segurar as lágrimas. Não acredito que sou responsável e ainda preocupada com a saúde e bem estar de um marginal! Pensava enquanto tentava colocar a cabeça pulsante em ordem.
No ônibus, de volta para o trabalho, começou a dar lugar a outro compromisso que teria em algumas horas. Nina finalmente conseguira marcar um encontro na Central do Brasil com a suposta amiga que estudou com seu irmão. Pilar colocava todas as fichas naquele encontro. Não suportaria outra pista falsa e ter que reunir as desilusões para recomeçar outra vez. Mas de uma coisa tinha certeza, não descansaria até achá-lo. Era uma questão de honra, sangue e palavra! Ela sabia que, por pior que fosse o baque, teria forças para se levantar e seguir em frente, de Pedro em Pedro, até encontrar o seu!
— Hoje o dia não está passando, né, Nina?
— Se geralmente, aqui no trabalho, um minuto tem quase uma hora, imagina hoje que temos esse encontro marcado depois do expediente! Por que será que ela quis vir aqui pessoalmente?
— Primeiro espero que a pessoa que estudou com ela, seja o meu irmão! Depois penso nos porquês dela vir até aqui!
— Mais duas horinhas e já vamos saber!
Nina e Pilar pediram um café enquanto esperavam Luiza. Havia uma euforia no ar.
Era difícil não ser uma pista certa, desta vez. Luiza enviara uma quantidade de informações que chegavam a doer em Pilar. A medida em que os minutos passavam, suas mãos tremiam um pouco mais. Pilar era toda concentração, como se o simples fato de estar ligada nos acontecimentos, fizessem com que tudo fosse real!
— Pilar?
— Oi. Luiza?
— Sim!
— Muito prazer, sou Nina!
— Muito prazer meninas!
— Então, fiquei super feliz de você se oferecer para vir aqui conversar comigo!
— Me perdoe, Pilar, mas eu pre-ci-sa-va te ver! Você não sabe como eu e seu irmão éramos amigos na faculdade!
— Faculdade? Então ele fez faculdade? Vocês terminaram? Digo, ele terminou?
— Sim! Nós terminamos!
— E… qual foi o curso que ele escolheu? Ou melhor, vocês escolheram?
— Psicologia! E ele sempre foi o melhor aluno! Deve ser um profissional e tanto!
As lágrimas rolavam livres e cheias de alegria pelo rosto de Pilar! Então o seu irmão terminou o que ela havia começado! Sentia na escolha do irmão quase uma extensão de sua própria escolha!
— E se esse Pedro, seu amigo, não for o meu irmão? E se for alguém parecido, com uma história igual!
Luiza parou o sorriso no momento em que Pilar terminou de falar. Encarou as duas amigas e ficou concentrada, como quem avalia a fundo uma situação.
— Pilar, você não faz ideia de como são parecidos! E não digo só o rosto, o cabelo, o nariz… você sorrindo é o Pedro, o modo como aperta os olhos para se concentrar no que quer ouvir! Até o ato de lamber a colher depois de adoçar o café! Você faz ideia de quantas vezes que vi essas cenas? Eu e o seu irmão vivíamos grudados. Mas depois que nos formamos, ele se casou e fomos nos afastando aos poucos… até perdermos totalmente o contato!
— O meu irmão é casado?
— Se não se separou, já deve ter até filhos!
Pilar era só um pensamento: que dessa vez seja ele! Meu Deus! Que não tenha mais nenhum engano!
Luiza virou-se para Nina e derramou um simpático e caloroso sorriso.
— Quando a Nina colocou a sua foto no Facebook, eu tinha acabado de olhar o álbum de formatura! Estava me lembrando dos nossos anos de estudo, dos apertos nos finais de semestre e da festa de formatura… em seguida dei de cara com uma versão feminina do Pedro me olhando na telinha do celular… levei até um susto, imagina! Depois foi só juntar as peças, me lembrei que em algumas ocasiões ele havia me falado da família e da irmã gêmea.
Pilar ainda com medo de se apegar aos acontecimentos para depois se desiludir, guardou sua euforia e começou a desempenhar o seu melhor papel de garota pragmática.
— Luiza, pode me passar o nome da faculdade? Amanhã mesmo vou lá na hora do almoço para ver se consigo o endereço dele.
— Amanhã não, querida! Você acha que marquei esse encontro por quê? Eu não perderia esse momento por nada no mundo! Nós vamos é agora!
— Mas como, agora?
— Estou aqui com o endereço do Pedro! Você não sabe o trabalho que me deu para conseguir! Tive até que ameaçar uma prima que trabalha na receita federal para conseguir o que está escrito nesse papelzinho aqui!!
Luiza arrancou solenemente um papelzinho amarelo que estava grudado na agenda! Ele ficou todo enrolado, com somente um pedaço agarrado a seu dedo que bailava por cima da cabeça das três.
— Onde ele mora?
— Não é tão perto, mas nós vamos para lá agora!
— Como vamos?
— No meu carro, meninas! O meu noivo está lá no estacionamento esperando! Vamos!
Pilar mal conseguia levantar-se! O rosto branco e gelado apesar do suor que escorria pela nuca. A enxaqueca agora explodia descompassada!
— Ai, meu Deus, não permita que eu desmaie agora!
Pilar fez uma oração silenciosa e correu atrás das amigas que já estavam quase saindo da estação. O café e a conta ficaram esquecidos em cima da mesa!
Da Estação do Brasil para o Recreio dos Bandeirantes era uma pequena viagem, mas o clima animado no carro e o Google Maps ajudaram para que o trajeto fosse o mais descontraído e rápido possível dentro das circunstâncias! Como já passara da hora do rush, o percurso não foi tão demorado quanto poderia ser!
— Ai está Pilar, é nesse prédio que ele mora!
— E agora?
— E agora vamos lá!
Enquanto o namorado de Luiza estacionava o carro, as três desceram e chamaram ao interfone do prédio.
— Sim?
Uma voz feminina ecoou pelo pequeno aparelho metálico.
— É da casa do Pedro?
—Sim.
— Ele está?
— Sim!
— Diga por favor que é a Luiza, da faculdade. Eu preciso muito falar com ele!
O interfone rompeu num ruivo seco e a porta do prédio destravou. Elas subiram os dois lances de escada até chegarem à porta de Pedro. Passos rápidos no outro lado denunciavam que quem iria abri-la era uma mulher!
Enfim a maçaneta girou e uma figura baixinha de cabelos loiros e sorriso fácil, pediu para que elas entrassem.
De dentro de casa vinha um hálito morno carregado de cheiros e digitais de um mundo que ela sabia ser intima! Era como reencontrar um lugar liquido e quente onde somente os dois cabiam e que ninguém mais tinha acesso.
— Pedro – a mulher gritou para dentro da casa – é para você!

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